Cinga

13/06/2022

O credor superpreferencial e o precatório prioritário

RPV, Precatórios, Processo Judicial

Você sabia que pode requerer para o seu cliente, créditos superpreferenciais a serem pagos por precatórios preferenciais? Pois é, você pode!

Conforme entendimento solidificado no STF a respeito do artigo 100, § 2º, da CR, alterado pela EC nº 62/2000 e, depois, pela EC 94/2016. 

Entendamos a possibilidade.

Todos sabem o quão é longa a espera na fila de pagamento de precatórios. O martírio é maior quando o cliente se trata de pessoa idosa, que possui alguma deficiência ou portador de doença grave, muitas vezes se encaixando em mais de um dos perfis. Mas é possível abreviar a espera destes titulares de créditos alimentares de valor superior ao teto da RPV, desde que se atenda a alguns requisitos.  

O § 2o. do art. 100 da CF/88 delimita dois requisitos para o pagamento preferencial nele previsto, quais sejam:

A - ser o débito de natureza alimentícia (compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009); e 

B - ser o titular do crédito maior de 60 (sessenta) anos de idade, na data de expedição do precatório, portador de deficiência ou doença grave, assim definidos na forma da lei. 

Além disso, estabelece também que o limitador quantitativo do pagamento com preferência seria o valor equivalente ao triplo do fixado para a RPV.  

Certo, mas e então?

Antes de mais nada, lembre-se que a Constituição Federal adota preferências relativas à idade, ao estado de saúde e à deficiência, de modo que credores que se enquadrem nesses requisitos tenham satisfeitos seus créditos de forma mais célere, respeitado o teto de antecipação.

O valor pago a título de antecipação constitucional está limitado em até três ou cinco vezes (EC n. 99 /2017), conforme o regime em que está inserido o devedor, do valor fixado em lei para o pagamento da requisição de pequeno valor.

Uma vez atingido o limite, o restante deve ser pago, necessariamente, na ordem cronológica de apresentação do precatório. 

Dessa forma, anexando laudos médicos para o caso de portadores de deficiência e doenças graves e documentos pessoais comprobatórios da pessoa idosa, é necessário que o advogado peticione requerendo o pagamento preferencial e a juntada dos documentos corroboráveis que se trata de um demandante superpreferencial, sempre fundamentado nos princípios da razoabilidade, da dignidade da pessoa humana (CRF, art. 1º, III), da proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV) e, claro, do próprio artigo 100, parágrafo 2° da CRFB, visando à proteção de bens jurídicos da mais alta relevância, tais como a vida e a saúde. 

Explico melhor através do exemplo abaixo:   

Você possui um cliente portador de cardiopatia grave, que possivelmente já aguarda há algum tempo o trâmite do seu processo.

Ao final, faz jus ao recebimento de um crédito de natureza alimentícia no valor de R$ 200.000,00 de determinado Ente Federativo, que por sua vez considera 40 salários mínimos como pequeno valor.

Bem, é então que baseado no que diz a Emenda Constitucional nº 94, de 2016, que você advogado abreviará a espera do demandante e conseguirá antecipar parte deste valor para que ele saia da fila de espera dos precatórios preferenciais para uma fila de precatório superpreferencial, ao requerer ao Juízo prioridade para o recebimento dos haveres do cliente, que aqui no caso hipotético, considerando o triplo do teto exemplificativo fixado para obrigações de pequeno valor, equivaleria a R$ 145.440,00, sendo o saldo remanescente, qual seja R$ 54.560,00, pago de acordo com a ordem cronológica de apresentação do precatório. 

No entanto, atenção!

Há muitos advogados que se equivocam nestes casos, requerendo na incidental a expedição de RPV.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de que a lista preferencial prevista no art. 100, § 2º, da Constituição, autoriza o pagamento por meio de precatório de natureza alimentar preferencial, limitado o pagamento nessa modalidade ao triplo (ou quíntuplo, durante o período de regime especial para pagamento dos precatórios) do limite para pagamento por RPV. Esse pagamento não se realiza imediatamente por meio de requisição de pequeno valor.

Na verdade, não há um aumento no teto da RPV para os casos de crédito alimentar quando o credor for idoso, portador de doença grave ou pessoa com deficiência. Isto seria o mesmo que criar uma forma de fracionamento de precatório não amparada pela Carta Constitucional, já que uma parte do mesmo crédito seria paga em RPV e a outra em precatório, para recebimento por um mesmo credor. 

O que pretendeu o legislador foi a criação de uma nova ordem de preferência quando do pagamento dos precatórios judiciais, muito mais ágil. 

Sobre o tema, outras informações relevantes são sobre o credor superpreferencial não ter direito à “suplementação” de valores preferenciais, não cabendo novo adiantamento no mesmo requisitório, como também, quanto aos honorários advocatícios em casos que possuem credores como os aqui analisados. Optando o advogado por executar os honorários nos próprios autos, haverá regime de litisconsórcio ativo facultativo (já que poderiam ser executados autonomamente) com o titular do crédito dito “principal”. Devendo o patrono interessado, para aferição do valor para fins de submissão ao rito da RPV, considerar o crédito individual dele e do exequente, nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, limitando-se a requerer a expedição de RPV, quando seus honorários não excederam ao teto legal. 

Naycha Hyacienth — Advogada — OAB/AP 2675